E quem vai nos contar sobre esse livro é Claudia Nina, em crítica publicada na Revista Pessoa em Outubro de 2011.
As Duas Irmãs
Uma rotina nômade que
acaba em morte, sumiço ou quase loucura.
Há livros que ditam o
próprio ritmo de leitura. Os melhores são sempre assim. Este de Adriana
Lunardi, A vendedora de fósforos, por exemplo, pediu que eu seguisse lentamente
e com muita atenção cada passo dos personagens – passos de viagem e de mudança,
posto que se trata de uma família itinerante; passos internos, já que a
protagonista mais caminha por dentro do que por fora.
Um silêncio
absolutamente perturbador ronda estes passos, tanto os de fora, quanto os de
dentro. A ponto de, mesmo nos intervalos da leitura, o texto continuar
latejando – grande escritora essa Adriana. O maior trunfo do breve, mas
denso, romance é criar uma atmosfera para cada um dos personagens que são
igualmente densos, mesmo quando rasos. A rodinha é pequena: apenas a narradora,
em uma chacoalhante primeira pessoa, a irmã (personagem crucial), o irmão, a
mãe e o pai, para quem “nada superava o desacato de ter filhos que cresciam sem
o seu consentimento”.
Acompanha-se a
trajetória destes seres de papel – tamanha a fragilidade – na perambulação de
cidade em cidade até o momento em que a família se desmorona. Aos poucos, uns
se afastam dos outros pela morte, o sumiço ou a quase loucura. Tudo no limite
de tudo. Não se pode esquecer da estrutura, bem ao gosto contemporâneo de
intervalar momentos do passado e do presente, ótimo recurso de corte e montagem
para quebrar o que poderia descambar em monotonia.
Outro grande feito é a
descrição das cenas. Achados verbais enchem de sentido o que seria vazio ou
desimportante em mãos menos hábeis. “Em geral, o que se passava de mais
importante comigo acontecia em silêncio. Quando criança, costumava ficar
imóvel, concentrada no ruído que meus ossos emitiam ao crescer. Era
inconcebível que isso acontecesse sem outro aviso que o dos sapatos, de um dia para
o outro expulso dos pés. (...) Ainda hoje parece-me malicioso que o sentido de
tudo se revele somente depois, quando não há nada a fazer senão aceitar o novo
tamanho e descobrir um lugar onde se caiba. Nisso os sapatos e a consciência se
parecem: só quando apertam é que sabemos”.
A metáfora evidente
dos móveis que mudam de lugar dentro das casas é irrecusável. A transformação é
mínima – um sofá que era central ganha a esquina da sala, coisas assim... Nada,
porém, parece alterar essencialmente a dinâmica falida daquela família; as
engrenagens são toscas aos olhos sem comiseração da narradora – nem poderia se
ter dó ou piedade, isso enfraqueceria o verbo. Se há que se dizer alguma coisa,
que se diga sem medo.
De forma lenta e sem
gritos, a narradora ergue o espelho com dupla face; a primeira imagem revela a
família que descreve; a segunda, inevitavelmente, traz para quem lê os
fragmentos assemelhados de toda e qualquer família. Quem não encontrar nas
descrições precisas e fundamentais alguma analogia com a própria vida que
desfie a primeira linha.
A vendedora de
fósforos é, sem dúvida, um grande momento na carreira de Adriana Lunardi. A
autora mostra que conquistou maturidade no comando de uma história que, como as
melhores narrativas, continuam; não terminam no ponto final. As observações que
o romance levanta são tão agudas que cortam o cotidiano com uma lâmina
afiadíssima, o que demonstra, claro, uma bagagem bem equipada de leitura e de
escrita, além da evidência de que esta romancista ainda vai aprontar poucas e
boas. Adriana estreou em 1996, com As meninas da Torre Helsinque. Hoje, é
daquelas (raras) capazes de fazer um ensaio tocante sobre um aspirador de pó,
uma máquina de lavar ou de uma caixinha de fósforos.
Ficou interessado(a) em conhecer melhor Adriana Lunardi? Essa é a oportunidade!
Olá companheiros!!!
ResponderExcluirAdorei a dica de leitura!
Passando aqui para divulgar o nosso blog e o nosso sarau, que será realizado no sábado. Passa no blog para conferir!!
http://bibliotecacomunitariadeitalo.blogspot.com
Beijocsa
Naurelita Maia