Para os amantes da literatura, do leitor já acostumado com o prazer literário àquele que está iniciando seus passos pelos caminhos encantados da leitura literária, um pouco de Cora Coralina para enriquecer e embelezar a vida.
Humildade
Senhor, fazei com que eu aceite
minha pobreza tal como sempre foi.
Que não sinta o que não tenho.
Não lamente o que podia ter
e se perdeu por caminhos errados
e nunca mais voltou.
Dai, Senhor, que minha humildade
seja como a chuva desejada
caindo mansa,
longa noite escura
numa terra sedenta
e num telhado velho.
Que eu possa agradecer a Vós, E ter sempre um feixe de lenha
minha cama estreita, debaixo do meu fogão de taipa,
minhas coisinhas pobres, e acender, eu mesma,
minha casa de chão, o fogo alegre da minha casa
pedras e tábuas remontadas. na manhã de um novo dia que começa.
Cora Coralina, a grande poetisa de Goiás, só teve o seu primeiro livro publicado quando já contava 76 anos de idade (Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais), só se tornou conhecida do grande público por conta da publicação de uma carta de Carlos Drummond de Andrade no Jornal do Brasil, em 1980, elogiando seu livro ("Se há livros comovedores, este é um deles"). Viveu uma vida simples, longe dos centros urbanos, doceira de profissão... ou melhor, não viveu uma, mas muitas vidas:
Todas as Vidas
Vive dentro de mim Pisando alho-sal.
uma cabocla velha Vive dentro de mim
de mau-olhado, a mulher do povo.
acocorada ao pé bem proletária.
do borralho, bem linguaruda,
olhando para o fogo. desabusada,
Benze quebranto. sem preconceitos
Bota feitiço... de casca-gorssa,
Ogum. Orixá. de chinelinha,
Macumba, terreiro. e filharada.
Ogã, pai-de-santo... Vive dentro de mim
Vive dentro de mim a mulher roceira.
a lavadeira - Enxerto de terra,
do Rio Vermelho. trabalhadeira.
Seu cheiro gostoso Madrugadeira.
d'água e sabão. Analfabeta.
Rodilha de pano. De pé no chão.
Trouxa de roupa, Bem parideira.
pedra de anil. Bem criadeira.
Sua coroa verde Seus doze filhos,
de São-caetano. seus vinte netos.
Vive dentro de mim Vive dentro de mim
a mulher cozinheira. a mulher da vida.
Pimenta e cebola. Minha irmãzinha...
Quitute bem feito. tão desprezada,
Panela de barro. tão murmurada...
Taipa de lenha. Fingindo ser alegre
Cozinha antiga seu triste fado.
toda pretinha. Todas as vidas
Bem cacheada de picumã. dentro de mim:
Pedra pontuda. Na minha vida -
Cumbuco de coco. a vida mera
das obscuras!
E, ainda que faltando tantos outros poemas comoventes de Cora Coralina, não poderíamos, por fim, deixar de citar "Não Sei":
Não Sei...
Não sei... se a vida é curta... E isso não é coisa de outro mundo:
Não sei... é o que dá sentido à vida.
Não sei...
se a vida é curta É o que faz com que ela
ou longa demais para nós. Não seja nem curta,
Não sei... é o que dá sentido à vida.
Não sei...
se a vida é curta É o que faz com que ela
ou longa demais para nós. Não seja nem curta,
nem longa demais,
Mas sei que nada do que vivemos mas que seja intensa,
tem sentido, verdadeira e pura...
se não tocarmos o coração das enquanto durar.
tem sentido, verdadeira e pura...
se não tocarmos o coração das enquanto durar.
pessoas.
Muitas vezes basta ser:
colo que acolhe,
braço que envolve,
palavra que conforta,
silêncio que respeita,
alegria que contagia,
lágrima que corre,
olhar que sacia,
amor que promove.
Link para breve documentário aqui.
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