Em toda trajetória poética de Manuel Bandeira a imagem da infância é uma constante, pois constitui, como diz o poeta, “um conteúdo inesgotável de emoção”.
A Cinza das Horas, primeiro livro de Bandeira, traz uma forte carga de dor, de desencanto perante a vida, incompreensível e arbitrária para o poeta. A imagem da infância aparece muito pouco nesse momento inicial de sua poesia, como a felicidade que passou e não volta mais. É a dor em face da perspectiva da morte, cujo marco é o ano de 1904, quando o poeta descobre a sua doença (tuberculose). A sua vida sofre, então, uma mudança significativa, conforme diz o próprio Bandeira em Itinerário de Pasárgada: “(...) No fim do ano letivo adoeci e tive de abandonar os estudos, sem saber que era para sempre. Sem saber que os versos, que eu fizera em menino por divertimento, principiaria então a fazê-los por necessidade, por fatalidade”.
Se esse primeiro momento expressa uma angústia em seus escritos literários, a sua longa jornada na vida, pois Manuel Bandeira vive até os 82 anos, vai criando novas nuanças em sua poesia. Aquela nostalgia nas imagens da infância dissolve-se completamente na Lira dos Cinquenta Anos. Essa sensação fica mais clara com a leitura do poema Canção do Vento e da Minha Vida, pois ainda que a vida seja marcada pela perda – “O vento varria tudo!”, nada se perde completamente, acumulando-se em experiência, em sabedoria forjada no tempo, na vivência – “E a minha vida ficava / Cada vez mais cheia / De tudo”.
Parece-me que essa postura perante a vida condensa no poema Velha Chácara, tanto quanto em Evocação do Recife, a mais bela e intensa construção poética tecida com os fios de memória da infância de Manuel Bandeira:
Velha Chácara
“A casa era por aqui...
Onde? Procuro-a e não acho.
Ouço uma voz que me esqueci:
Ouço uma voz que me esqueci:
É a voz deste mesmo riacho.
Ah quanto tempo passou!
(Foram mais de cinquenta anos)
Tantos que a morte levou!
(E a vida... nos desenganos...)
A usura fez tábua rasa
Da velha chácara triste:
Não existe mais a casa...
– Mas o menino ainda existe.”
Kleber Monteiro – Avante Educação e Mobilização Social
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